sexta-feira, 30 de abril de 2010

Benedicto (2)

O jovem Benedicto progredia de maneira mágica no manuseio da flauta. Continuava com sua "flautinha de flandres" mas já tinha plenas condições de amançar a Flauta transversa e "todas aquelas chaves". Tocando com os maiores bambas da Cidade Nova, Aldeia Campista, Praça Onze, Centro, Estácio e arredores, Benedicto já chamava atenção pelo talento. Podia ser numa batucada, na "capoeiragem das maltas", num terreiro ou nos choros. Não tinha pra ninguém o menino tava botando todos no bolso.


Em 1917 Benedicto contava 14 anos quando foi lançado o primeiro "Samba Carnavalesco". Era a turma da casa da Tia Ciata, ali na "pequena África" na Praça 11, perto do Estácio, que num arroubo festivo de criação havia trazido ao mundo aquela costura de motivos folclóricos.

Era o nascimento do famoso "Pelo Telefone".Quem registrou na Biblioteca Nacional foi Donga. Depois apareceu outro compositor, um jornalista que tinha o apelido de "peru dos pés frios", seu nome: Mauro de Almeida. Hoje sabemos que o "Pelo Telefone" não foi o primeiro samba gravado no Brasil. O catálogo de Fred Figner da Casa Edson mostra alguns sambas gravados bem antes pela gravadora carioca. Mas estava lançado o Samba, e, pro mundo fonográfico iniciava ali a febre da música para o Carnaval. O jovem Benedicto tomava parte em todos ambientes de música que podia e isso o foi dando uma visão abrangente da música que se fazia por ali. Num momento tocava no terreiro de candomblé, em outro estava a acompanhar batuques, chulas, partidos, mais tarde era visto na sala de uma família a tocar choros, canções e muitas valsas. Essa foi a grande "escola" de Benedicto Lacerda, o espaço urbano, familiar e sua necessidade de ser e fazer feliz.

Após o lançamento do "Pelo Telefone" o termo Samba tomou conta da cidade do Rio de Janeiro. Mas esse "Samba" da turma da Tia Ciata, Donga e companhia era na verdade um recorte de motivos folclóricos embalados pelo carioquíssimo ritmo do Maxixe. Esses motivos folclóricos foram os primeiros "passarinhos" aprezados por compositores como Donga e Sinhô. Sinhô tinha uma máxima: "Samba e passarinho são a mesma coisa. É de quem pegar primeiro." E dá-lhe alçapão pra cima da moçada.


O Maxixe é um ritmo nascido da necessidade do músico popular Carioca de adequar o ritmo do acompanhamento da Pólka ao jeito de dançar do povo dos bailaricos e arrepiados nas plantações de maxixe na Cidade Nova, Morro do Nheco... Sucesso estrondoso entre o povão, mas excomungado pelas "famílias" de então o Maxixe e sua dança mais que sensual se esconderam sob vários nomes, inclusive o de tango, para não ser banido. O Maxixe surgiu por volta de 1883 e em 1917 estava ali escondido pulsando na gravação daquele que se arvorou dizer ser o primeiro "Samba" gravado.

Benedicto Lacerda vivenciava tanto esse "samba carnavalesco amaxixado" dos filhos da "pequena áfrica" como também convivia com os futuros estilistas do Samba assim como o conhecemos hoje. Edgar, Mano Rubens, Bide, Marçal,Ismael Silva, Nilton Bastos... Era a Turma do Estácio. E o Estácio era área de Benedicto. Fundadores da primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, esses amigos, parceiros juntos de Benedicto foram quem muniram o samba com Surdo(Invanção de Bide), tamborim e Cuíca e assim afirmaram a indentidade rítmica que o Samba iria carregar por toda sua trajetória.